Relembrando Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa
(12 de ago. de 2016)
1986 foi um ano importante. Foi quando lançaram o quarto filme de Jornada nas Estrelas. Este foi também o ano em que Jornada comemorava seu aniversário de 20 anos. A série original havia sido exibida pela primeira vez em setembro de 1966. Já o filme estava marcado para estrear antes do fim do ano.
Era sem dúvida, um período festivo e ao mesmo tempo movimentado. Ao mesmo tempo em que o quarto filme era produzido, os livros baseados na série proliferavam no mercado, os fãs cada vez mais criavam conteúdo, e havia movimentos clamando pela volta de Kirk e cia. na televisão. Já o produtor Harve Bennett e o ator/diretor Leonard Nimoy estavam com as chaves da franquia, responsáveis por criar o próximo longa-metragem.
Vale lembrar que quando estes filmes foram produzidos, Bennett jamais imaginara que ele estaria criando uma trilogia tão interligada. A série original nunca foi lembrada pela continuidade. Era composta de episódios que podiam ser vistos em qualquer ordem. A princípio, parecia que os filmes seguiriam o mesmo caminho. Só que a decisão de ressuscitar Spock mudou isso por completo, fazendo com que as ações dos longas anteriores tivessem consequências. Inclusive, os produtores tiveram de recapitular os eventos do terceiro filme na abertura deste longa na sessão do conselho federativo na qual o embaixador Klingon declara Kirk como inimigo público nº 1.
A idéia central que Nimoy tinha para o quarto filme era simples: nada de violência, armas disparadas, crises políticas, batalhas intergaláticas, alienígenas desconhecidos ou situações de vida ou morte. Ele queria uma aventura livre de qualquer complicação ou drama dos filmes anteriores. Foi assim que ele e Bennett tiveram a idéia de colocar a tripulação numa aventura de volta no tempo para resgatar um par de baleias jubartes, a fim de trazê-las para o futuro, impedindo uma catástrofe planetária.
Uma vantagem da viagem no tempo foi a liberdade para poder filmar em São Francisco, em 1986, colocando a tripulação de uniformes em meio à população californiana da época. Era evidente o potencial para situações cômicas.
Quem viu o filme se lembra de várias cenas, tais como Chekov e Uhura perguntando ao povo onde ficava os navios nucleares ou Scotty passando a fórmula de alumínio transparente do futuro para um engenheiro de 1986. Mas a melhor de todas é sem dúvida a cena em que Kirk diz a Spock que essa 'cultura primitiva e paranóica' jamais viu um alienígena de perto, o que leva ele a amarrar uma faixa de judô na testa para cobrir as orelhas. E isso sem falar na cena em que ele nocauteia um rockeiro punk* que ouve música metaleira em volume alto num ônibus lotado, graças ao uso do famoso toque neural vulcano. Não há dúvidas. É disparado o filme mais engraçado dentre os 13 lançados.
*Detalhe, o 'rockeiro punk' foi vivido por Kirk Thatcher, um dos produtores associados do filme.
E ainda assim, o filme conseguiu transmitir uma alegoria de cunho ecológico ao criticar a forma como mamíferos são mantidos em cativeiro para fins comerciais. Quem vê hoje a péssima publicidade vinda de parques como Sea World entende bem isso. Não podia ser Star Trek sem algum viés ideológico em suas aventuras.
Na hora de elaborar o roteiro, Nimoy e Bennett receberam um recado da Paramount afirmando que Eddie Murphy tinha interesse num papel no filme. No caso, seria o do biólogo marinho que tenta alertar o público do risco de extinção das baleias e acabaria descobrindo a missão de Kirk. Eles escreveram uma versão do roteiro que incluia esse personagem. Contudo, o acordo não deu certo, e nunca foi confirmado se Murphy realmente tinha interesse ou se tinha sido manobra de agentes. De qualquer forma, era necessário repensar o personagem sem Murphy, o que levou Nimoy a escalar Catherine Hicks para o papel. Era óbvio que uma personagem feminina teria uma dinâmica diferente com Kirk e Spock, e teria uma afeição mais calorosa pelas baleias.
Isso tudo deixou Bennett com pouquíssimo tempo para finalizar o roteiro a tempo de filmar. Ele precisava de alguém capaz de amarrar toda a trama de forma rápida. A solução era Nicholas Meyer, que já havia filmado um longa sobre viagem no tempo chamado Um Século em 43 Minutos, com Malcolm McDowell. Bennett cuidou de roteirizar as cenas que se passavam no século XXIII, enquanto Meyer elaborava as cenas principais no século XX. Já Meyer não teve problema em retornar à franquia, pois já não tinha como voltar atrás no quesito da morte de Spock. O melhor a se fazer era seguir em frente e contar a história mais divertida e envolvente possível.
Como muitos lembram, Kirk e a tripulação estão há meses em exílio no planeta de Spock e pretendem voltar à Terra para serem julgados pelos crimes cometidos no longa anterior. Contudo, uma sonda espacial misteriosa chega na Terra e transmite um sinal que evapora os oceanos e consome toda a energia do planeta, deixando a humanidade em risco. Spock descobre que o sinal é um canto de baleias, e descobre que a única espécie capaz de comunicar com a sonda foi extinta há 300 anos. Cabe a eles usarem a Ave de Rapina Klingon capturada para voltar no tempo e conseguirem duas baleias. É assim que eles acabam aterrisando em São Francisco, em 1986. O resto do filme é uma sucessão de sequências cômicas e as tentativas de Kirk em convencer a Dra. Gillian Taylor a adquirir as baleias sem trair sua verdadeira identidade, fato que ela descobre por si própria.
Como era de praxe, Nimoy dá a todos no elenco a chance de terem algum destaque. Walter Koenig, como Chekov, se envolve em mais uma situação de risco que o leva para um hospital e permite a DeForest Kelley engolir várias cenas com a irreverência de McCoy pela medicina da época.
Esteticamente, o filme é mais leve do que qualquer outro. Isso fica evidente na trilha de Leonard Rosenman, que une o tema clássico de Alexander Courage com o tema que criou para as baleias. Uma mistura de emoção, diversão e inocência.
Quando foi lançado, o filme foi dedicado à tripulação do ônibus espacial Challenger, que acabara de explodir durante a decolagem. Levando em conta o quanto Jornada nas Estrelas influenciou pessoas ao ponto de se tornarem engenheiros da NASA, foi um tributo mais do que bem vindo.
Além de ser uma jornada de responsabilidade para Kirk e a tripulação, o longa serve também como uma jornada para Spock, que se reacostuma a seu lado humano, e o fato de que sua lógica sempre estará em conflito com emoções. O uso de humor e 'metáforas coloquais' o ajudam a conciliar seus dois lados a medida que ele reaprende que tipo de pessoa ele foi antes da morte.
No fim das contas, eles conseguem salvar as baleias de caçadores, as trazem para o futuro, afundam a nave na Baía de São Francisco, e salvam a humanidade. Logo após, eles são perdoados por quase todos os crimes cometidos. Kirk é o único a sofrer consequências, mas ao invés de perder a comissão, ele perde apenas a posição de Almirante volta à ser Capitão, ganhando de presente uma nova USS Enterprise para comandar numa nova missão nos confins do espaço. Essa é sua volta para casa.
Para a franquia, era praticamente um recomeço. O filme foi um sucesso retumbante, superando quaisquer expectativas, vencendo tanto a crítica quanto os fãs, e rendendo a maior bilheteria de todos os filmes até então. Com o sucesso do filme e de Nimoy na direção, William Shatner conversou com o executivo da Paramount, Frank Mancuso, e pediu para dirigir o próximo filme. Mancuso aceitou na hora.
Não se podia ter aniversário de 20 anos mais gratificante do que aquele.
A Paramount sabia disso. Os fãs também. Inclusive, Gene Roddenberry, que ainda tentava vender a idéia da tripulação impedindo o assassinato de Kennedy, não questionou muito o filme. Além disso, ele e a Paramount estavam ocupados em negociações. Havia chegado a hora de trazer a franquia de volta para a TV.
Contudo, o que viria seria algo muito diferente. Os fãs queriam a tripulação original nas telinhas semanalmente. Contudo, Roddenberry, D.C. Fontana e sua equipe tinham planos para uma Nova Geração....
Enquanto isso, fique com uma das cenas mais cômicas do filme abaixo:
Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:55
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