Relembrando Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira
(17 de ago. de 2016)
O filme em que William Shatner resolveu brincar de Deus. Também é lembrado como o filme em que Spock usa botas voadoras. Não é um filme que muitos levam à sério na franquia.
Após o imenso sucesso de Jornada nas Estrelas IV, dirigido por Leonard Nimoy, Shatner conversou com um dos diretores da Paramount, Frank Mancuso, sobre a possbilidade dele dirigir o próximo filme. Shatner esperava ter de convencer o estúdio de que era capaz, assim como Nimoy teve de fazer. Contudo, a Paramount aceitou na hora.
E verdade seja dita. Não foi um projeto vaidade, e muito menos uma decisão feita por ego. Shatner já tinha alguma experência na posição, tendo dirigido episódios do seriado T.J. Hooker. Ele sabe a responsabilidade de contar uma história para os fãs, e tem respeito pelo material.
Sua primeira decisão foi tentar achar um gancho para a história do filme. Ele tinha um fascínio por programas de televangelistas cujos discursos hipnotizavam o espectador à ponto de seguirem cegamente sua causa. Foi daí que ele criou o personagem Sybok, que seria a força motriz por trás da trama de Jornada nas Estrelas V - A Última Fronteira.
O passo seguinte foi convencer o produtor Harve Bennett de seguir com essa idéia. Bennett teve divergências com Nimoy na produção do filme anterior, e aceitou retornar como produtor desde que Shatner aceitasse sua autoridade e contribuição sem deixar o ego sobrepor a qualidade do filme. Shatner aceitou.
Contudo, em meio ao processo de roteirização do filme, o sindicato dos roteirista dos EUA entrou em greve. Era 1988, e a greve durou vários meses, a ponto de afetar todas as produções televisivas e cinematográficas em hollywood. Inclusive, a greve afetou sériamente a produção da segunda temporada da Nova Geração, que teve sua segunda temporada reduzida para menos episódios, e ainda teve de incorporar roteiros não filmados da série Jornada nas Estrelas - Phase II, de 1977, para tapar os buracos (isso sem falar no péssimo episódio-clipe que também foi feito naquela temporada).
Com a greve, tudo foi interrompido até que novos contratos fossem assinados. Entretanto, a data de estreia do filme já estava marcada para junho de 1989. Shatner, Bennett e o roteirista David Loughery tiveram pouquíssimo tempo para amarrar o roteiro após sua primeira versão. Nicholas Meyer era a escolha inicial de Shatner para fazer um trabalho rápido, mas já estava comprometido na direção de outro projeto.
Outro revés na produção foi Gene Roddenberry. Ele lera o roteiro e o odiara. Roddenberry já tinha o hábito de escrever longos memorandos a Harve Bennett, questionando os roteiros em produção. Bennett geralmente ignorava os memorandos. Contudo, a trama lembra muito uma tentativa de roteiro que o próprio Roddenberry havia escrito na década de 1970 para a Paramount quando cogitaram pela primeira vez realizar um filme. A trama lidava com a tripulação da Enterprise literalmente encontrando Deus e enfrentando ele. O fato da Paramount ter ido em frente com a idéia de Shatner abriu feridas no ego de Roddenberry.
Não que a Paramount tenha aceitado a idéia de Shatner de braços abertos. Muitos questionavam a idéia da tripulação da Enterprise ir ao centro da galáxia para encontrar-se com Deus. Se levar em conta a quantidade de religiões que existem no planeta, qual desses Deuses seria? Bennett tentou apaziguar os ânimos sugerindo a idéia de que era um alienígena que achava ser uma entidade divina.
De qualquer forma, as filmagens foram adiante. Na questão dos efeitos visuais, eles bateram de frente com outro problema. A Industrial Light & Magic de George Lucas, que havia produzido os efeitos dos filmes anteriores, encontrava-se sobrecarregada com Os Caça-Fantasmas II, dois filmes da trilogia De Volta para o Futuro, A Última Tentação de Cristo e o terceiro Indiana Jones. Em outras palavras, ela não tinha mão de obra para ajudar desta vez. Shatner e Bennett recorreram a um técnico de efeitos chamado Bran Ferren, que os impressionou com uma mistura de gases, água e luz. Este foi o efeito-base para a criação da grande barreira no final do filme. Mas Ferren não tinha a competência ou expertise para filmar cenas com modelos de naves ou os efeitos mais básicos. Ao ver o filme, se percebe logo de cara que os efeitos visuais deixam a desejar comparados com os quatro filmes anteriores.
A trama do filme é simples. Durante umas merecidas férias, Kirk, Spock e McCoy são chamados de volta à Enterprise para atender um chamado do planeta Nimbus III. Três diplomatas foram sequestrados por uma facção religiosa comandada por um fanático. Na tentativa de resgate, eles descobrem que o líder da facção é um vulcano. Durante uma briga, Spock tem a oportunidade de matar o vulcano, mas não o faz. Kirk se sente traído por seu melhor amigo, até que Spock revela que Sybok é seu meio-irmão. Sybok usa seus talentos para extrair a dor de todos que o encontram e os convence a ir atrás do conhecimento final, que reside além da grande barreira no centro da galáxia.
Um elemento que foi questionado pelos fãs logo de cara era a capacidade da Enterprise viajar até o centro da galáxia em poucas horas. Era cientificamente impossível, ainda mais levando em conta as distâncias já estabelecidas em aventuras anteriores. Levaria anos e anos.
Outro entrave na produção foi no terceiro ato. A idéia original de Shatner era fazer com que a tentativa de Sybok de se unir ao suposto 'Deus' fizesse com que diversas estátuas demoníacas surgissem do chão e atacassem Kirk, deixando claro a analogia de que eles haviam descido no inferno. Contudo, a Paramount só tinha orçamento suficiente para criar um desses monstros de pedra flamejantes, e o resultado final ficou muito além do que os produtores esperavam. Isso fez com que Shatner e Bennett cortassem completamente a idéia, ao mesmo tempo que mantiveram a situação de Kirk em fuga. O resultado final mostra o quanto ficou de lado.
O filme está longe de ser perfeito. Há várias tentativas de humor que deixam muito a desejar (a cena em que Uhura dança semi-nua para distrair os bandidos dividiu fãs; a cena em que Scotty bate com a cabeça no cano da nave foi outra). Foi meio que uma tentativa de seguir os passos do filme anterior nesse quesito.
Os efeitos deixam a desejar, a história desafia muito a credibilidade, e o final mostra-se insatisfatório. Os fãs deixaram isso claro. O filme fez bem menos sucesso do que os anteriores. Vale lembrar também que a demanda por mais aventuras no cinema já havia caído levando em conta a presença da Nova Geração semanalmente na televisão.
Inclusive, a inclusão dos Klingons na história fica forçada. Não que os atores não se esforçem. Muito pelo contrário. Inclusive, o trabalho de maquiagem nesses Klingons mostra uma responsabilidade por parte de Shatner em diferenciar cada personagem através de suas testas como se fossem impressões digitais. Mas a motivação do Capitão Klaa em caçar Kirk só faria sentido se houvesse uma conexão maior com os eventos dos filmes anteriores. Na tentativa de amarrar o roteiro, ele desiste da caçada e salva Kirk do 'Deus' graças a intervenção do embaixador Klingon que fazia parte do comitê de Nimbus III.
No fim das contas, mesmo com seus defeitos, o quinto filme de Jornada tem seu lado positivo. É o filme que mais se assemelha a um episódio da série original. Além disso, nenhuma dessas aventuras no cinema teve tanto foco na relação Kirk/Spock/McCoy como este. Para mim, este foi o maior acerto de Shatner ao dar a devida importância ao quanto eles amam um ao outro, mesmo lidando com as diferenças. A abertura deles assando marshmellows e cantando em volta da fogueira é clássica. Sybok é o primeiro personagem a expor um lado que McCoy jamais ousou revelar. A cena em que ele revive a morte do pai é um marco pro personagem. Ao expor a dor de McCoy e Spock, Sybok consegue fazer com que eles repensem a lealdade ao melhor amigo, quebrando a integridade do trio.
Além disso, a cena em que Sybok tenta fazer com que Kirk exponha sua dor é um dos melhores momentos do protagonista até então. Kirk se recusa a deixar que Sybok lave sua mente ou limpe sua dor, o fazendo lembrar dos erros que cometeu na vida. Não há uma menção direta à morte de David, mas fica implícito. Kirk tomou decisões e precisa arcar com elas ciente dos caminhos que escolheu não tomar em vida.
Kirk resume essa decisão na melhor frase do filme: "Não quero que acabe com minha dor. Preciso de minha dor".
E foi esse o ponto forte do filme. Jornada sempre se deu bem focando nos personagens principais e como a amizade entre eles resiste a quaisquer situações ou problemas. Outro ponto forte foi a excelente trilha composta por Jerry Goldsmith. Trazendo de volta o tema clássico criado no primeiro filme e utilizado na Nova Geração, Goldsmith criou novos temas que transmitem mais maturidade. A música elevou o filme ainda mais.
Vale destacar também a excelente performance de Lawrence Luckinbill, que viveu Sybok*. Ele inseriu paixão e fé num papel dum personagem que realmente acreditava naquilo que ensinava, mesmo que recorresse a métodos extremos para fazê-lo.
*A escolha original de Shatner e Bennett para interpretar o vulcano era Sean Connery. O ator escocês estava obviamente comprometido com outro papel, interpretando o pai de um certo arqueólogo.
No fim das contas, o filme não foi o maior sucesso da série, mas conseguiu cobrir seus custos, e a Paramount estava disposta a seguir em frente com mais um filme, até porque o aniversário de 25 anos de Jornada se aproximava rapidamente. E Harve Bennett tinha planos.
Fique com uma cena do filme, logo abaixo:
Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:19
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