O Processo
(27 de ago. de 2018)
É possível ser 100% imparcial?
Existe uma linha de pensamento que argumenta que não. A idéia é que sempre que você tenta retratar uma situação, você acaba se posicionando de alguma forma, mesmo que não seja aparente. Mesmo documentários não conseguem atingir isenção. O simples ato de apontar uma câmera em alguém e escolher suas tomadas numa ilha de edição demonstra alguma direção específica.
Por isso mesmo que admiro muito o documentário O Processo. Mais do que qualquer outra produção, o documetário de Maria Augusta Ramos consegue ficar o mais próximo possível dessa imparcialidade. Após uma calorosa recepção no Festival de Berlim, o filme entrou em circuito limitado nos cinemas brasileiros, e agora se encontra disponível no serviço Now, da NET.
Em resumo, o documentário cobre o turbulento período de março a agosto de 2016, seguindo as atividades do Partido dos Trabalhadores, que lutava para reverter o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff.
Só que o documentário é estritamente documental, no sentido mais puro da palavra. Ele se abstém de quaisquer recursos audiovisuais que facilitem a compreensão ou atenção do espectador. Não é dominado por narração em off, não possui entrevistas exclusivas com figuras políticas, e não assume qualquer discurso. É um filme complicado, com linguajar difícil de se acompanhar pros mais leigos. Não é pra todos, mas é um documentário que recompensa atenção e esforço de cada um que consiga sentar por 140 minutos de momentos carregados, muitos deles difíceis de reviver. Está longe de ser O Mecanismo, com seu discurso moralizador e simplista.
O filme se resume a retratar o dia-a-dia da equipe de defesa, de políticos de destaque como Gleisi Hoffman e Lindbergh Farias, e mostra sem muita edição todo o processo legislativo e jurídico conduzido nas reuniões da comissão de ética no senado (Dilma mesmo, aparece pouco; Lula tem uma breve aparição na sessão decisiva e Temer fica ausente por completo).
Supostamente, a produção tentou conseguir acesso a todas as figuras e partidos envolvidos no processo, mas os senadores de direita negaram (o pouco deles que vemos vem de imagens cedidas pela TV Senado). Isso passa a impressão de que o documentário pende a um lado. Mas ao ver todo o processo sendo retratado, vemos que não é o caso. Vemos que a diretoria do PT não tinha dúvidas quanto ao eventual resultado do jogo, e já antecipava seu discurso para se apropriar da postura de vítima trágica (que é uma jogada política que qualquer um faria, só pra deixar claro; o filme não condena isso).
A única jogadora da oposição a ter destaque na narrativa é Janaína Paschoal. E o longa mostra cada momento dela, seja suas flexões num momento de descontração antes da sessão, ou seus discursos acalorados. Assim como um espectador pode sair com a impressão de que ela é uma figura completamente fora dos eixos, outro pode ficar com a impressão de que ela realmente acreditava nas suas convicções.
O filme também oferece algumas tomadas impressionantes de Brasília que quebram um pouco o clima sufocante de algumas das reuniões e suavizam o tom do filme, evitando que ele fique repetitivo ou lento demais. Isso sem falar na tomada inicial, que mostra o muro que separou duas torcidas na esplanada.
O final, principalmente, consegue mapear de forma minuciosa como a quebra da presidência abriu precedente para um clima de caça e perseguição, a ausência de uma lei firme, e a quebra de princípios. Sem soltar spoilers, digamos que ocorre uma "cortina de fumaça" que descreve bem o período após o impeachment.
Nesses tempos polarizados em que vivemos, é cada vez mais difícil ficar em cima do muro. O clima de guerra política atual não poupa ninguém. Às vezes, a melhor coisa a se fazer é colocar uma câmera numa sala e deixar as pessoas seguirem com suas atividades como se não estivessem nem sendo filmadas. Não é necessariamente imparcial, mas é sem dúvida um retrato objetivo, sem interferência do narrador. É isto que o documentário consegue atingir.
Vale muito a pena assistir. Enquanto isso, confira o trailer abaixo:
Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 11:49
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