Quem se lembra que houve uma série animada na década de 1970?


Vamos recapitular um pouco do que aconteceu. O cancelamento da série original em 1969 era para ter sido o fim de Jornada nas Estrelas. Contudo, este foi apenas o estopim para o despertar dos fãs, que passaram a exigir o retorno de Kirk, Spock e as aventuras da Enterprise na TV novamente. As reprises da série na década de 1970 com aumento de audiência vieram a confirmar essa demanda.


O que poucos devem saber ou lembrar é que houveram várias tentativas por parte da Paramount de ressuscitar Star Trek. E uma dessas tentativas deu certo. Justamente a série animada.


Produzida pelo estúdio Filmation, a série durou 2 temporadas, com um total de 22 episódios de meia-hora de duração, exibidos em 1973 e 1974. Este é o mesmo estúdio que mais tarde tornou-se mundialmente famoso por produzir o desenho do He-Man.


Isso levanta uma questão interessante: como produzir uma animação de ficção científica de melhor qualidade possível dentro de um orçamento apertado e no cronograma igualmente restrito?


Até a década de 1960, a idéia de produzir seriados de animação era vista como inviável. As produções da Disney e da Warner Bros. eram sempre feitas para os cinemas, e sempre com animação impecável, realçando cada detalhe em cada frame. Foi a Hanna-Barbera que mudou isso ao criar séries como os Scooby-Doo e Os Flintstones, utilizando-se de recursos como backgrounds repetidos ou gestos reciclados. Críticos de animação acham que isso tira um pouco da originalidade e do esforço, mas ao mesmo tempo, tornou-se tão popular que essas medidas foram assimiladas na indústria.


Jornada nas Estrelas fez igual. As animações eram feitas com poucos keyframes, e geralmente tudo que se pode imaginar era reutilizado em todos os episódios. Isso permitiu os designers a criarem modelos de personagens com certo detalhe, fiéis aos atores originais, e sem destoar da estética live-action da série original*.


*Ironicamente, o diretor de animação Hal Sutherland era daltônico.


No quesito roteiro, o desafio foi conciliar as intenções originais de Jornada com a expectativa de que um desenho teria de agradar a um público infantil. Os roteiristas foram capazes de criar argumentos bastante maduros dando sempre espaço para ação e conflito dentro desses parâmetros, gerando um produto de alta qualidade, no quesito narrativa.


Uma das primeiras decisões de Gene Roddenberry foi de colocar alguém experiente no volante da série. D.C. Fontana, ex-secretária de Gene e roteirista veterana da série original, foi a escolhida para trabalhar como produtora e editora de roteiros no seriado, responsável pelo andamento do projeto como um todo. Vários roteiristas da série original foram convidados a contribuir histórias e roteiros para a série animada, incluindo David Gerrold, Stephen Kandel e Margaret Armen.


Fontana inclusive escreveu um dos melhores episódios: Yesteryear. A trama do episódio lida com Spock tentando reverter uma mudança temporal na qual ele deixara de ser parte da Enterprise por ele ter morrido quando criança. Ele volta no tempo e acaba interagindo com seu alterego de sete anos, fazendo com ele tome uma decisão entre lógica e emoção que definirá seu destino.


Um detalhe interessante foi a inclusão de outro universo literário na série animada. Larry Niven, criador do universo conhecido como Known Space, escreveu o roteiro do episódio The Slaver Weapon, adaptado de sua história original, incluindo a raça alienígena Kzin. Até hoje, é o único episódio de Jornada sem a presença de Kirk.


Todo o elenco foi recontratado para dublar as vozes de seus personagens. Leonard Nimoy quase recusou ao saber que o elenco de apoio não havia sido contactado. Ele só aceitou após o estúdio fechar contrário com George Takei e Nichelle Nichols. Eles não tinham orçamento para incluir Walter Koenig como Chekov, mas o ator teve a oportunidade de escrever um roteiro para a série. Já James Doohan e Majel Barrett dublaram vários novos personagens alienígenas, além de intepretarem Scotty e Chapel.


Um dos problemas dessa decisão foi que com exceção de Barrett e Doohan, nenhum dos atores tinha experiência em dublar vozes em projetos animados. Dá pra ver essa discrepância quando o estilo teatral de William Shatner bate de frente com a animação neutra de Kirk.


Durante anos a série não foi reconhecida como parte do cânone oficial de Star Trek. Isso se deve a uma questão política que surgiu no final da década de 1980, envolvendo o escritório de Gene Roddenberry. Na época, Roddenberry lutava contra o estúdio por controle criativo da franquia, e havia passado memorandos ditando quais produções faziam parte do cânone oficial. Infelizmente, por motivos não esclarecidos, a série animada fora incluída nessa fatia junto com os livros e jogos de videogame. Somente as séries e filmes contavam como parte da cronologia original. Felizmente, essa tendência foi sendo revertida após a morte de Roddenberry, e inclusive alguns roteiristas incluiram detalhes da série animada em episódios de Deep Space Nine e Enterprise.


Há de se admitir que é nostálgico e divertido rever esses episódios, por mais toscos que pareçam no padrão atual. Confira uma cena abaixo:





Posted in Postado por Eduardo Jencarelli às 12:04  

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